
Existe um sambinha sem-vergonha que sempre me irritou profundamente e que durante muitos anos ouvi ser cantarolado, assobiado e muitas vezes ressoava em meus pensamentos mesmo com a casa em silêncio. Pensando neste sambinha machista escrevi esta crônica (?) para que as Amélias pudessem "gritar" seus verdadeiros sentimentos...Ainda bem que elas estão em extinção, embora ainda existam...
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Que tristeza é essa que me estraçalha a alma, ela se perguntava?
Sentia-se rasgada em pedaços e parecia que os perdia pela casa: na área de serviço, nas lavagens do banheiro, sugados pelo cano do aspirador.
Seus melhores pedaços desceram pelo ralo da pia da cozinha. Pouco a pouco nada mais ia restando, tudo ia dissolvendo-se como a esponja da pia.
O que mais a afligia é que só se sentia bem na cozinha, no banheiro, no varal de roupas, com o aspirador nas mãos.
Dias havia em que gostaria de balançar-se no varal, junto às roupas coloridas para que a brisa secasse, docemente, suas lágrimas.
Outros queria estar pelo chão para que o aspirador sugasse o pó acumulado nos cantos escuros de sua alma e ela pudesse mostrar-se límpida.
Quem sabe, o amaciante de roupas tornasse menos ásperos, mais macios os seus sentimentos?
Pouco a pouco transformava-se numa utilidade doméstica.
Só uma dúvida: quem se encarregaria de seu uso e manutenção? Existiriam Oficinas Autorizadas para consertá-la e técnicos habilitados a isto?
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Sonia Regina/1994