Mais de meio século se passara desde que nascera. Era feliz consigo e com o que conseguira realizar, mesmo com escolhas erradas. Gerara, parira, educara três filhos já crescidos e aparentemente felizes, felicidade é um estado muito particular de cada um. Sentia orgulho da formação com que conseguira lhes moldar, do trabalho realizado neles e por eles.
Gostava de livros, todos e quaisquer, mesmo que fosse para exclamar ao terminar de lê-los: -Detestei!!!
Amava escrever. A palavra escrita a fascinava, assim como o som delas. Elaborava listas de palavras "deliciosas"e "odiosas"; palavras-mulher"e "palavras-homem", só pelo prazer de desenhar as letras e, ao lê-las ouvir a sonoridade delas.
Era capaz de assistir a filmes seguidos pela madrugada afora. Quando algum a encantava, via-o repetidas vezes em busca dos detalhes e nuances que o formaram.
Havia as músicas, essas escolhidas com cuidado, apenas aquelas que lhe invadissem a alma, aquecessem o corpo e a fizessem levitar em pensamento e na prática, pois quando as ouvia, punha-se a dançar e flutuava... Isso quando estava só e como gostava de estar consigo mesma!
O marido, sempre ausente, mesmo que na sala ao lado, os filhos vivendo suas vidas, e ela...gostava mesmo de estar só. Seu tempo sozinha preenchia-o por inteiro, quando não era insuficiente.
Certo sábado ela, filho, nora, filha, genro e a filha caçula foram a um casamento.
Durante o ritual religioso manteve-se impassível com sua opinião crítica, ferina sobre aquela representação. Tudo lindo, perfumado, musical e mentiroso. Gostava de atos significativos e, ao seu ver, só ela entendia o significado real daquela cerimônia.
Refletia na futilidade da pompa, que em tempo algum fez alguém feliz, nos gastos inúteis, nos cumprimentos estéreis...
Seguiram para a recepção: linda, muito mais do que esperara.
Ainda é tempo que se diga, ela também estava se encantando consigo. Sentia-se bonita, bem vestida, bem maquiada, tudo em acordo com a sua idade. Gostava de si: do seu rosto, de seu corpo magro, de seu porte, de seu jeito. Admirava-se consigo mesma mais do que se admirara quando jovem. E olha que os que a conheceram diziam que era muito "linda, muito cheia de graça!
Gostava de ser como era e sabia que os filhos a admiravam também.
A festa desenrolava-se perfeita, a conversa corria alegre, até que a música foi solta pelo salão, enchendo-o com aquelas melodias que preenchiam as carências que seu coração precisou aceitar; inteira, recheou-se de sons.
Todos os que estavam à sua mesa levantaram-se para dançar, estavam aos pares e ela estava só, como sempre, o marido esquecido dele mesmo na sala de casa, frente à televisão.
Ali ficou ela, com as músicas que amava, o repertório perfeito que a fazia esquecer onde estava, que o tempo passara...
O ritmo batia dentro de seu coração, em sua alma e ah! como ela desejou dançar,flutuar como fazia sozinha em casa. Pela primeira vez sentiu um gosto de solidão, sentiu-se abandonada e com vontade de abandonar-se à música. Chegou a pensar em sair dançando: o pudor não o permitiu. Estava acostumada a estar só.
Começou a inquietar-se, a cantar baixinho os versos e as melodias, sabia-os todos, e viu-se como deviam vê-la: uma senhora que os filhos levaram à festa e que deveria comportar-se como tal.
Sentiu que ia chorar, de raiva, de pena por não aproveitar aquelas melodias tão lindas. Seu corpo, sua alma pediam para dançar, uma censura severa dentro dela a impedia.
A filha aproximou-se e convidou: - Vem mãe! Você dança "tão bonitinho"...
Ela não foi. Ela não dançava "bonitinho", ela flutuava, ela levitava!
Aproveitou a animação de todos para sair sem ser vista do salão e, pelas escadas, ia ensaiando seus passos flutuantes que realizava tão bem e a faziam tão feliz.
Desceu, solidão esquecida, apenas sozinha e dançou pela alameda do clube, calçada de paralelepípedos sob os olhos do segurança que ensaiou um sorriso, imaginando-a de pilequinho.
Em direção à rua tropeçou nos saltos dos sapatos de camurça, finos e altos, que não estava habituada a usar e se prenderam às pedras do calçamento. Tirou-os e, pés no chão, a música soando lá dentro penetrou inteira em seu corpo, cérebro, alma.
O segurança foi a única testemunha daquela "coroa loura, bonitona ainda" que atirando os sapatos para que ele os pegasse foi subindo em direção ao céu dançando, flutuando e sumiu entre as estrelas. Contou ele, ainda, que durante alguns segundos sua sombra apareceu contra a lua cheia para logo desaparecer atrás dela, sempre cantarolando e dançando... sozinha.
Quando os filhos a procuraram, além do relato, receberam do rapaz, em estado de perplexidade,o par de sapatos de camurça pretos, saltos altos e finos, só usados em ocasiões especiais...
...Quem não expõe seus talentos,dança nas nuvens...
Sonia Regina,1999
35 comentários:
Parabéns, Sonia!
Por tudo que você escreve...
Por tudo que você é.
Felicidades!
Bom dia de passeio por alguns blogs entrei no seu...
Nossaaaaaaaaaaaaa fiquei vidrada nesse texto "Dançando nas Nuvens".
Imaginei cada cena, cada sentimento , ouso a dizer que ate imaginei as melodias soando ....
Maravilhaaaaaaaaaaaaaaaaa
Adorei
Tenha um lindo dia cheinho de muita luz!!
bjs
Querida Sónia,
Que texto tão interessante!
Gostei muito de ler e reflectir sobre ele.
Que bom que ela conseguiu dançar, dançar e elevar-se nas nuvens, sempre dançando e cantando...
Creio que entendi a mensagem.
Continue escrever amiga linda, e ´viva sempre com muita leveza e alegria.
Um beijo
viviana
Fiquei nas nuvens com esse texto,lindo amiga.
Um gde abraço.
beijooo.
Meu Deus, minha amiga!!! Vc não imagina o qto me surpreendeu com este texto!!! A cada palavra que eu lia, me reconheci em mtas situações e sentimentos!!! Incrível, mas estou começando a acreditar que somos mto parecidas!!! E seu texto prendeu totalmente a minha atenção do início ao fim. Parabéns! Vc se expressa mto bem!!! E faz com que a pessoa que lê sinta suas emoções, se sinta inserida no contexto daquilo que vc quer passar, no ambiente e nas sensações que vc cria! Embora meu tempo seja super escasso, preciso conseguir vir mais vezes aqui! As palavras, a 'montagem' delas num texto bem elaborado, as idéias me fascinam! E tb preciso agradecer seu carinho, sua presença sempre amiga e constante, seus e-mails que me fazem feliz! Mto obrigada! E desculpe-me por não conseguir corresponder à altura. Mas vc já se tornou especial em minha vida. Estou adorando ter lhe 'conhecido'! Ainda em tempo de lhe desejar uma maravilhosa semana, tb deixo beijos!!! Fique com Deus!!!
Angela!Você,sempre,tão carinhosa e atenciosa!
Merecemos parabéns pelo que somos e fazemos!
Um beijo feliz por seu comentário,Sonia Regina.
Déia,vou visitar o seu blog!
Obrigada pelo comentário carinhoso e muito bom que tenha conseguido "ver" a cena,baseada em fatos reais,rsrsrs!
Beijos com carinho,Sonia Regina
Viviana!Viver com leveza é essencial,mesmo que seja só em contos...
Eu tenho certeza de que você entendeu...
Beijos com carinho,Sonia Regina.
Ana!Não imagina como fico feliz que tenha gostado.Esse texto me é muito querido e especial!
Um beijo dançarino,Sonia Regina.
Amiga Layne!
Que comentário delicioso,me deixou muito prosa,estou me "sentindo",rsrs!!!
Muito bom saber que consegui passar o que desejava.
Não agradeça por nada pois tudo é feito com o coração e vocês todos me fazem muito bem ao espírito.
Gosto imensamente de "falar" com os amigos e,é verdade,entre nós acontecem muitas coincidências!!!
Fique em paz e Deus a abençoe,beijos,Sonia Regina.
Que texto lindo... e poético.
Que fala sobre as convenções, a solidão, sobre a nossa necessidade de agirmos como nos convém...
Parabéns, Sonia
bjs
Adorei o blog...
muito lindo!!!!
Parabéns
Beijossss
...as nuvens estão aí.
basta que tenhamos a atitude
de tocá-las, sentí-las, e
até dançarmos em seus braços
por quê não?
bjus linda!
Amiga linda!
Que bom que você grita pra todo mundo ouvir!!!!!!!!!
Esta, do post, poderia ter sido eu e muitas outras que conhecemos por aí...quantas vezes já passamos por tudo isto?
Eu sempre brinco nestas situações que vou tirar algum garçon ou segurança para dançar comigo...e olha que um dia eu faço isto mesmo!
Olha, linda, eu saí dançando com você no post, joguei meus sapatos de festa para o ar, e flutuei nas nuvens com você, amiga!
Que Deus te abençôe por esta partilha! Você é linda, amiga!
Um beijo de admiração da tua amiga aqui.
Neli
Carmem!Obrigada pelo comentário e por ter compreendido o que eu desejava mostrar,que em qualquer idade nossa alma está viva!!!
Beijos,Sonia Regina.
Verônica!Obrigada pela visita,espero que venha sempre.Vou visitá-la!!!
Um beijo,Sonia Regina.
Olá Vivian!É verdade o mundo está aí para realizar nossa espectativas,senão reais que seja nas nuvens,rsrs!!!
Beijos amiga,Sonia Regina.
Neli querida!Fiquei muito feliz pois algumas das amigas se encontraram em minhas frases,como você.Creio ter atingido o meu objetivo...
Eu,atualmente,não grito apenas,de vez em quando faço coisas que sempre desejei...dançar com o garçon ou o segurança é uma ótima idéia,não tinha pensado nisto,rsrsr!!
Fiquei vaidosa com seu comentário!
Beijos dançantes,Sonia Regina.
Um abraço amiga e obrigada pelas suas visitas nos meus blogs.
beijooo.
Oláááá
Muito obrigada pelo comentário no meu blog!!
Fiquei feliz por saber que vc achou ele alegre!!!
Adoro cada vez mais o seu!!
PARABENS PELO TEXTO!!
MARAVILHOSOOOOOOOOOOOOO!!
Lindo..maravilhosa narrativa..me fez vivenciar daqui a cena..
Beijos minha querida
Oi querida ..
Passei para deixar um beijinho de Boa Tarde!!
Passando pra saber de você...
espero que esteja bem...
beijossss
OI,So!Fique certa que achei mesmo!
Obrigada pelo elogio,é disso que a gente gosta,rsrsrs!!!
Beijos,Sonia Regina.
Ana querida!Visitá-la é sempre um enorme prazer!!!
Beijos,Sonia Regina.
Olavo!Obrigada pelo lindo comentário.Você está passeando?Se está aproveite bem!
Beijos,Sonia Regina
Olá Deia!Uma ótima noite para você!
Beijos,Sonia Regina.
Oi,Veronica!Está tudo bem ,ontem não fiz minhas visitas pois estava com a casa cheia de netos,rsrs!!!
Beijos,Sonia Regina.
Ah! Eu estava acreditando, mas aí de repente a criatura sai voando, e dela vemos somente a silhueta recortada contra a luz da lua.
Pura ficção, ainda bem.
Onde já se viu uma respeitável senhora sair voando assim sem mais nem menos...Onde é que o mundo ia parar?
Já imaginou um bando enorme povoando o céu feito ave de arribação mas sem destino planejado? Voando só pelo prazer de voar?
Era o caos.
Me recuso até em pensar num disparate destes.
Jucemir
Jucemir!Disparate é um "jovem",que tem tudo para voar se negar a fazê-lo.
Ainda bem que as respeitáveis senhoras possuem asas para voar,pelo menos algumas.O céu fica iluminado quando a revoada se faz.E quem afirma que elas não têm destino certo?Quem diz que é ficção?
Seu raciocínio gurreiro é que as coloca nesta posição.
Amiguinho implicante você pensa que sabe tudo,mas na realidade entrar em uma cabeça respeitável é complicado,difícil.Com tantos dias vividos aprendemos artimanhas que nenhum,soldado,de qualquer guerra é capaz de desvendar.
O interessante está,justamente na silhueta...para onde írá?Será mesmo que o destino é o nada?
Queridinho,ainda tem muito que pesquisar sobre respeitáveis senhoras!!!!
Um beijo e obrigada pela visita,pena que por não avisar não preparei o chazinho com bolinhos amanteigados,indispensáveis na casa de uma senhora educada.
Beijos voadores e recortados contra a lua,Sonia Regina.
Sonia Regina escreve algo tão subversivo e quer que eu não proteste?
Imaginem outras senhoras respeitáveis que por ventura o tenham lido.
Mas não somente estas. Pensem nas moças de casamento recente balançando felizes o primeiro rebento. Noivas ansiosas da festa que se aproxima.Namoradas que se abandonam nos braços daquele príncipe definitivo – que logo será rei – onde depositaram seu sonho de felicidade.
Vai que todas resolvam alçar voo pelo simples prazer de voar?
Quem consolará os imperadores, os reis e os príncipes, todos de pés colados à terra e totalmente ignorantes da arte do voo?
Como disse Caetano:
“...Mas a gente nunca sabe mesmo
Que que quer uma mulher “
Quanto a mim, só resta beijar a palma de minha mão, esticá-la ao céu noturno e soprar em direção à silhueta recortada contra a lua.
Jucemir
Jucemir!Você é,mesmo,muito engraçadinho!!!
Só não captei bem se gostou ou não do meu texto mais querido...
Uma pena que as princesas,rainhas e reis tenham ficado lá para trás,eu ainda embalei crianças,hoje contrataria uma babá...
Uma pena,também,que a subversão só esteja acontecendo agora!
Gostei ,mas gostei mesmo,dos beijinhos enviados em direção ao céu...Reconheço que vivo,um pouquinho,mas só um pouquinho,no mundo da lua,até porque não sou de ferro.
Beijos terrenos,Sonia Regina.
Amiga Sonia, assim me ofendes. Como podes ter dúvidas se eu gostei ou não do texto?
Acreditava que meu comentário anterior estivesse claro, contudo, já que teimas em não me entender, vejo-me na prosaica obrigação de ser explícito:
Esse é o melhor texto com que já presenteaste os visitantes.
Ele é vivo, suave e dolorido.
Ele é Sonia.
E então, restou alguma dúvida?
Jucemir
Sabe Jucemir,com este texto recebi muitos comentários elogiosos,agradáveis,aliás ele ganhou menção e diploma no concurso Talentos da Maturidade do Banco Real no ano passado,mas acredite ao ler,agora, a sua crítica fiquei emocionada,de verdade.Sua opinião é muito importante!Obrigada,amigo,por ter me enxergado como sou.
Um beijo,com os pés na terra,Sonia Regina.
Jucemir!Só uma correção ,não foi no ano passado,foi em 2007!
Beijo,Sonia Regina.
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